TECNOLOGIAS NO SETOR ELÉTRICO PARA FICAR DE OLHO NOS PRÓXIMOS ANOS
3 novembro, 2022 por
Solplace


Após um longo período de crise e baixa produção em diversos setores, as principais economias globais enfrentam desafios no setor de energia. O setor energético foi um dos mais afetados e precisa superar barreiras técnicas, econômicas, políticas e de regulamentações para seu crescimento.

A retomada no crescimento de economias implica no aumento da demanda energética em todos os setores da cadeia produtiva e de consumo. Assim, o suprimento de energia de qualidade, segura e confiável é fundamental para o desenvolvimento econômico.

Além de um processo de crescimento, o setor energético global passa por mudanças profundas em termos de filosofia de operação e também de modernização. As redes elétricas projetadas a décadas atrás, passaram a incorporar tecnologias visando a sua digitalização e operação sustentável. 

Com as metas de descarbonização e sustentabilidade estabelecidas pelas principais economias ao redor do mundo é esperado que tecnologias “limpas” já existentes se tornem mais maduras e eficientes, além do surgimento de novas tecnologias para as redes elétricas do futuro. Nesse artigo, iremos abordar as expectativas para novas tecnologias e meios de modernização que irão beneficiar tanto consumidores quanto distribuidoras de energia elétrica.


ENERGIA SOLAR FOTOVOLTAICA


A tecnologia de geração solar fotovoltaica (FV) se tornou uma das principais apostas para descarbonização e geração sustentável nos últimos anos. Essa tecnologia permite que a energia contida na irradiação solar seja captada e convertida em energia elétrica útil através de poucos passos.  

Uma das grandes vantagens do solar FV é a sua simplicidade e flexibilidade para a escolha do local de implementação. Qualquer consumidor conectado à rede elétrica de energia pode se tornar um gerador de energia local ou também chamado de pró-consumidor. Para isso é necessário apenas um local ensolarado e a implementação de um sistema composto por módulos FV, conectores, cabeamento, inversores FV, além dos dispositivos de proteção. 

A geração solar FV permite a expansão da Geração Distribuída (GD) ou geração perto do centro de consumo. Ao contrário da geração convencional de energia, realizada através de grandes usinas hidrelétricas ou térmicas e longe dos centros de consumo, a solar pode ser instalada junto ao consumidor final. 

Nesse sentido o pró-consumidor pode utilizar a energia fornecida pelo gerador solar para atender a demanda energética interna a sua instalação, além de exportar qualquer excedente de energia para a rede elétrica e ser beneficiado através da regulamentação da GD. Consumidores de pequeno a grande porte podem se beneficiar dessa tecnologia, sendo que o espaço requerido para sua implementação cresce de acordo com a demanda energética necessária para atender a instalação. 

Atualmente, o Brasil é um dos principais mercados para a geração solar FV, estando entre um dos 10 maiores países em termos de capacidade instalada [1]. Em Novembro de 2022, a capacidade instalada do país atingiu a marca de 21 GW, sendo que 70% desse total é classificado como GD ou sistemas de potência de até 5 MW.  Ao fim do mesmo ano é esperado que o país totalize mais de 25GW.

O crescimento exponencial dessa tecnologia no Brasil é explicado por diversos fatores, entre eles o aumento das tarifas de energia por todo o país, redução no preço da matéria prima e de kits fotovoltaicos nos últimos anos, necessidade de independência energética, além do aspecto sustentável da tecnologia. Para os próximos anos é esperado que a tecnologia continue em forte crescimento e seja integrada com o setor de armazenamento de energia, apesar de alterações na regulamentação de GD. 


ARMAZENAMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA


As fontes de geração de energia elétrica como a solar FV e a eólica são uma grande oportunidade para descentralização e descarbonização do setor elétrico, porém são meios de geração que dependem de fatores ambientais não controláveis. Essas são fontes de geração de energia não despacháveis. 

No caso da fonte solar a geração é dependente não só da irradiância local, mas também da temperatura. Na eólica é necessário que haja vento com velocidade suficiente para girar as hélices do gerador.  Portanto, nem sempre essas fontes poderão ser utilizadas para atender a demanda energética momentânea. 

Para que fontes como a solar FV e eólica sejam utilizadas é necessário que haja potência instalada suficiente e simultaneidade entre a geração e o consumo das cargas. Se há excesso de geração comparado com a carga então parte desse excedente deve ser desligado. Por outro lado, se há demanda mas não há geração suficiente então outras fontes mais poluentes serão acionadas ou parte das cargas será desligada. 

A importância dos sistemas com armazenamento de energia se torna cada vez mais evidente à medida que fontes renováveis são conectadas às redes elétricas. O armazenamento de energia é importante para aumento de flexibilidade de operação e inserção de novas fontes não despacháveis nas redes.  

Quando falamos de armazenamento de energia não necessário estamos se referindo a baterias. Na verdade, para aplicações em larga escala (projetos do tipo “antes do medidor”) o armazenamento através de hidrelétricas é o mais implementado a nível global [2]. Nesse caso, bombas hidráulicas são utilizadas para mover água para um reservatório superior durante horário fora-pico e depois esse reservatório d'água é utilizado para mover um conjunto de geradores durante o horário de pico ou de maior demanda energética. 

Sistema de armazenamento de energia fornecem serviços que vão desde o suprimento de energia a curto prazo, serviços ancilares para a rede e também postergação no investimento de novas linhas de transmissão e distribuição. Além do armazenamento por hidrelétricas, outras tecnologias como baterias e ar comprimido estão se popularizando.

Para aplicações "atrás do medidor” as baterias de chumbo ácido ou lítio são as favoritas. Essas permitem modularidade e flexibilidade, tendo vida útil maior que 10 anos para o caso da tecnologia de lítio. Porém, uma das grandes dificuldades para implementação em larga escala dessa tecnologia ainda é em relação ao custo. Um sistema FV com baterias pode ter seu tempo de retorno (“payback”) incrementado consideravelmente, entretanto o custo de baterias vem caindo com a demanda em larga escala por veículos elétricos. 


ELETRIFICAÇÃO DA FROTA DE VEÍCULOS


Em termos de descarbonização do planeta um dos principais vilões são os veículos a combustão, os quais emitem milhões de toneladas de gases do efeito estufa todos os anos. Para reverter o impacto causado ao planeta pela imensa frota de veículos a combustão, governos e montadoras de todo o mundo mudaram seus focos para os veículos elétricos.  E esse é um caminho sem volta. 

Os veículos elétricos são aqueles propulsionados por um ou mais motores elétricos, podendo ser 100% elétrico ou híbrido. Os modelos puramente elétricos funcionam apenas com o uso de baterias. Por outro lado, os modelos híbridos trabalham com baterias e motores a combustão para aumento da autonomia. 

Apesar dos veículos elétricos não serem uma tecnologia criada no século XXI, apenas agora estão se tornando populares e mais acessíveis. Na verdade, essa tecnologia vem do século XIX. Porém no momento da sua criação a tecnologia não era madura o suficiente, principalmente, em termos de desenvolvimento e capacidade das baterias. 

A tecnologia vem ressurgindo no mercado através do desenvolvimento de novos materiais para baterias, pegada ambiental e conscientização dos consumidores em relação a poluição do ar, mudanças climáticas e outros impactos ao planeta. É fato que os veículos elétricos normalmente têm uma pegada de carbono menor do que os carros a gasolina, mesmo considerando a eletricidade usada para carregá-los [3].

Um dos principais desafios para substituição completa dos veículos a combustão por veículos elétricos é a autonomia. Em geral, os veículos a combustão possuem maior autonomia e menor tempo para abastecimento quando comparados aos modelos 100% elétricos. Porém, esse cenário vem mudando nos últimos anos e hoje em dia diversas montadoras oferecem modelos com autonomia de centenas de Km e rápido carregamento. 

Em relação ao preço esse também é mais “salgado” para os modelos híbridos ou puramente elétricos. No entanto, algumas montadoras estão trazendo modelos mais em conta e acessíveis para o mercado. Por exemplo, uma startup americana trouxe um modelo de carro a baterias licenciado por uma fabricante chinesa e com um custo de pouco mais de $11.000 [4]. Esse modelo deve ser comercializado inicialmente em países como Alemanha, Espanha, França e Irlanda, com uma autonomia de 200 Km e velocidade máxima de 100 km/h.

No Brasil, a tecnologia de veículos elétricos vem evoluindo de forma exponencial e bastante positiva. Dados recentes indicam que cerca de 100 mil veículos eletrificados já circulam pelo país [5]. Até 23 de Julho de 2022, foram vendidos mais de 23.000 eletrificados no país, esses números incluem veículos híbridos, híbridos plug-in e a bateria. Assim como ocorreu com os sistemas FV a partir de 2012 é esperado que haja uma crescente procura por esses veículos nos próximos anos. 

Apesar dos números positivos é preciso que haja políticas nacionais para a produção, desenvolvimento e comercialização desses veículos no país. É preciso haver incentivos para a transição dos consumidores de veículos a combustão para veículos eletrificados, como incentivos fiscais para empresas ou prédios que instalarem pontos de carregamento. Por exemplo, o município de São Paulo já possui políticas públicas para inserção de ônibus eletrificados em sua frota de veículos e a proibição de novos ônibus a diesel [6].  


HIDROGÊNIO VERDE

Este tipo de tecnologia se baseia na geração de hidrogênio, por um processo já conhecido por muitas pessoas: a eletrólise.

A eletrólise usa a corrente elétrica para separar o hidrogênio do oxigênio que existe na água. Por este motivo, se essa eletricidade for obtida de fontes renováveis, então produziremos energia sem emitir dióxido de carbono na atmosfera.

Esta maneira de conseguir hidrogênio verde, indicado pela AIE, evitaria 830 milhões de toneladas anuais de CO2 que se originam quando este gás é produzido por combustíveis fósseis. Se fosse possível substituir todo o H2 cinza mundial, 3.000 TWh renováveis seriam gerados por ano. Entretanto, ainda há algumas dúvidas sobre a viabilidade do hidrogênio verde devido ao seu alto custo que, possivelmente, serão sanadas ao decorrer dos anos, quando a poluição for aumentando e a necessidade pelo seu uso for ficando mais evidente [7].

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Figura 1 – obtenção do hidrogênio verde [7]


VANTAGENS E DESVANTAGENS DO HIDROGÊNIO VERDE

Esta fonte de energia tem pontos positivos e negativos. 

Pontos positivos:

  • 100 % sustentável: o hidrogênio verde não emite gases poluentes nem durante a combustão nem durante o processo de produção;

  • Armazenável: o hidrogênio é fácil de armazenar, o que permite sua utilização posterior em outros usos e em momentos diferentes ao de sua produção;

  • Versátil: o hidrogênio verde pode ser transformado em eletricidade ou combustíveis sintéticos e ser utilizado com finalidades comerciais, industriais ou de mobilidade.

Pontos negativos:

  • Custo mais alto: a energia procedente de fontes renováveis, fundamentais para gerar hidrogênio verde através da eletrólise, é mais cara de gerar, o que, por sua vez, torna mais cara a obtenção do hidrogênio;

  • Maior gasto de energia: a produção do hidrogênio em geral e do verde em particular requer mais energia que outros combustíveis;

  • O Hidrogênio é um elemento muito volátil e inflamável, exigindo requisitos de segurança elevados para evitar fugas e explosões.


MODERNIZAÇÃO DAS REDES ELÉTRICAS


Grande parte das redes de distribuição em operação foram projetadas e instaladas sem planejamento prévio para as tecnologias de geradores e cargas utilizados atualmente. Essas redes foram pensadas considerando um fluxo unidirecional de energia, ou seja, da subestação de energia para rede de média tensão (MT) e então para a rede de baixa tensão (BT). 

No entanto, a inserção da geração distribuída (GD) nas redes de MT e BT tornou o fluxo de energia mais dinâmico e complexo. A conexão de energia solar FV e outras fontes renováveis permite que haja fluxo reverso de energia durante períodos de baixa carga ou de alta produtividade. 

As redes modernas devem estar preparadas para suportar esse fluxo bidirecional sem comprometer a sua segurança, confiabilidade e estabilidade. Além disso, nos próximos anos vamos observar uma inserção cada vez maior de sistemas de armazenamento de energia (com aplicações “antes” e “após” o medidor de energia), carros elétricos e sistemas de comunicação nas redes de distribuição. 

Fluxograma Smart Grid

Figura 2 – Esquema de ligação em uma Smart Grid contendo geração distribuída, carros elétricos e sistemas de comunicação bidirecional. Fonte: [8]

A partir da combinação dessas tecnologias nas redes de distribuição modernas, acabamos chegando no conceito de “Smart Grid” - Figura 1. As Smart Grids ou Redes Inteligentes são sistemas que integram de forma inteligente e dinâmica as ações de usuários e geradores, fornecendo-lhes energia segura e renovável [8].  

O diferencial das Redes Inteligentes é que a integração entre geradores e consumidores é realizada de forma digital e automatizada em tempo real. A partir de uma “Smart Grid” o consumidor pode comprar energia vinda da concessionária ou torna-se um produtor de energia através da GD. 

Um benefício para consumidores das Smart Grids é a possibilidade de acompanhar o consumo e geração em tempo real através de medidores de energia [9]. A segurança e confiabilidade da rede elétrica são melhorados através de medidores e sistemas de proteção utilizados pela própria concessionária de energia já que as medições e reconfigurações da linha de distribuição são feitas automaticamente e em tempo real. 

Outra possibilidade através da modernização das redes elétricas é a de comunicação bidirecional entre consumidores que possuam sistemas FV ou outro tipo de GD com a concessionária de energia. Por exemplo, pode-se criar estratégias de operação e bonificação para aqueles consumidores que disponibilizam seus geradores para auxiliar na operação e estabilidade do sistema elétrico. Nesses casos, o consumidor recebe descontos ou incentivos por deixar de gerar energia elétrica. Toda a operação é realizada de forma automática e remotamente. 

Para aqueles consumidores que possuem baterias ou veículos elétricos a Smart Grid pode ser utilizada para carregar e descarregar seus equipamentos em horários pré-planejados. A comunicação bidirecional com a concessionária é utilizada para determinar os horários em que o veículo utiliza energia da rede para carregar suas baterias (V1G) e os intervalos em que o veículo irá ser utilizado para ajudar na operação da rede elétrica e, nesse caso, injetar energia no sentido da concessionária (V2G). Novamente, essa operação é feita de forma automatizada e com a autorização do consumidor. 

A Smart Grid pode coletar e coordenar os dados de consumidores, geradores e operadores em um mercado comum. O seu objetivo principal é melhorar a eficiência do sistema, minimizar custos e reduzir os impactos ambientais causados pelo setor elétrico [11]. 

As tecnologias empregadas nas Smart Grids vêm se tornando cada vez mais acessíveis e maduras no mercado através de investimentos de governos e grandes empresas. No Brasil e no mundo existem diversos projetos pilotos comprovando a eficiência e benefícios resultantes da modernização da rede elétrica. Um exemplo desse tipo de projeto é o Campus Sustentável realizado pela Unicamp em parceria com a CPFL Energia [12]. 


REFERÊNCIAS:

[1] https://www.absolar.org.br/noticia/conta-de-energia-alta-e-perspectivas-cada-vez-piores-para-os-combustiveis-fosseis-a-migracao-para-a-energia-solar-traz-ganhos-imediatos/

[2] https://www.iea.org/reports/grid-scale-storage

[3] https://www.epa.gov/greenvehicles/electric-vehicle-myths

[4]https://olhardigital.com.br/2022/10/25/carros-e-tecnologia/veiculo-eletrico-preco/

[5] http://www.abve.org.br/100-mil-eletrificados-circulam-no-brasil/

[6] http://www.abve.org.br/brasil-preparado-para-produzir-onibus-eletricos/

[7]  https://www.iberdrola.com/sustentabilidade/hidrogenio-verde

[8] https://www.gta.ufrj.br/ensino/eel878/redes1-2016-1/16_1/smartgrid/

[9] https://www.neoenergia.com/pt-br/te-interessa/inovacao/Paginas/smart-grid-o-que-e-como-funciona-inovacao-em-distribuicao-de-energia-eletrica.aspx

[10] https://www.virta.global/vehicle-to-grid-v2g

[11] https://www.iea.org/topics/digitalisation

[12] https://campus-sustentavel.unicamp.br/


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