Falhas por Correntes de Fuga em Sistemas Fotovoltaicos
11 fevereiro, 2022 por
Juliana Silva


Apesar de parecer desprezível, uma variação de apenas 100mA na corrente de fuga de uma instalação pode causar a desconexão de um sistema FV da rede elétrica. O conhecimento básico sobre o mecanismo de origem das correntes de fuga e saber identificá-las pode minimizar os riscos encontrados pelos profissionais em campo, reduzir o tempo de indisponibilidade e aumentar a produtividade do sistema FV.  

 

CONTEXTO 

Falhas ou desligamentos por correntes de fuga são situações frequentemente encontradas por profissionais da área elétrica em instalações de baixa tensão e em corrente alternada (CA). Uma fuga de corrente é diferente de um curto-circuito na instalação elétrica. 

Por definição, as correntes de fuga ocorrem quando há um desvio não intencional do fluxo de energia do seu caminho original para as massas ou para o terra da instalação, seja em um circuito de corrente alternada ou contínua. Idealmente, a corrente de fuga deve fluir para o terra da instalação e acionar os dispositivos de proteção exigidos pela NR 10 e NBR 5410. Porém, caso a massa não esteja aterrada ou exista descontinuidades no aterramento, a corrente de fuga pode fluir por outros caminhos como o corpo humano.  

Em um circuito monofásico, uma pessoa descalça que entre em contato (direto ou através de uma massa) com a fase da instalação pode levar um choque elétrico. Sendo assim, os principais riscos de fugas de corrente são a energização de massas e o risco de choque elétrico. Esses riscos são minimizados com a utilização de equipamentos de detecção e interrupção como os DRs e IDRs, além de um sistema de aterramento com baixa impedância para absorver as correntes de fuga.  

As correntes de fuga não ocorrem apenas em instalações em corrente alternada. Estas também ocorrem em sistemas que utilizam corrente contínua, e.g., cabos de comunicação ou cabos de potência. Em sistemas FV, quanto maior for a magnitude da corrente de fuga maior a chance de detecção e de desligamento do inversor, refletindo no aumento do tempo de indisponibilidade e dos custos com técnicos em campo.  


FONTES DE CORRENTES DE FUGA EM SISTEMAS FOTOVOLTAICOS  

Nos sistemas FV, as correntes de fugas podem ser originadas no lado de corrente contínua ou de corrente alternada. Além disso, problemas internos encontrados em módulos, stringboxes e inversores também podem resultar no desvio do caminho original da corrente. 

Na Figura 1, pode-se observar que existe um caminho de baixa impedância para circulação de corrente, formado por capacidades parasitas (entre os pólos e o terra), terra, o lado de corrente alternada e o inversor. Se a magnitude dessa corrente for elevada, poderá ser observado no sistema aumento nas distorções da corrente de saída, interferência eletromagnética e até desligamento automático do inversor. O desligamento automático do inversor é uma função de proteção exigida por normas nacionais e internacionais.   



 

Figura 1: Correntes de fuga em um sistema FV conectado à rede e sem transformador. Fonte: Solis  

A existência de correntes de fugas em uma instalação (CC ou CA) é algo esperado e normal, desde que esteja dentro dos limites regulatórios e de segurança. Isso se deve pois não existe na prática isolantes perfeitos. Por melhor que seja o isolamento dos cabos e componentes, sempre existirá uma pequena corrente de fuga que circula por capacitâncias parasitas do sistema.  

O aumento da magnitude das correntes de fuga acima dos limites de segurança pode estar associado, principalmente, a três fatores: ambiente, instalação e equipamentos.  

 

AMBIENTE  

Falhas por correntes de fuga normalmente são associadas a problemas de instalação ou nos equipamentos. Geralmente, o primeiro componente investigado é o inversor. Porém, as condições ambientais também possuem um papel fundamental nesse tipo de falha.  

De acordo com o modelo apresentado na Figura 1, a circulação das correntes de fuga depende da capacidade parasita total do circuito equivalente. Através de uma análise de circuitos básica, sabemos que a corrente que circula em um capacitor é diretamente proporcional a sua área e condutividade do dielétrico (isolante), além de ser inversamente proporcional à distância de suas placas. Assim, podemos tirar três conclusões simples: 

  • Em períodos úmidos a condutividade do ar (isolante) aumenta. Por consequência, a corrente de fuga do sistema também vai aumentar e maior a probabilidade de desligamento automático do inversor.  

  •  De forma similar, sistemas FV de maior área instalada ou com módulos maiores tendem a ter maior circulação de correntes de fuga, pois a área das “placas” do capacitor vai ser maior. 

  • Quanto mais próximo o módulo for instalado do terra maior a corrente de fuga, devido a relação inversamente proporcional entre magnitude de corrente e distância.  



INSTALAÇÃO  

Em geral, a maior causa de alarmes relacionados à corrente de fuga é a própria instalação FV, seja ela no lado de corrente contínua ou alternada. Dentro da instalação, um dos principais responsáveis é a baixa isolação dos cabos. Uma isolação envelhecida aumenta a capacidade parasita (Figura 1) e, por consequência, a fuga de corrente. Da mesma forma um isolamento danificado e em contato com uma massa condutora permite a circulação de corrente por caminhos de baixa impedância.  

O uso de cabos específicos para aplicações FV, resistentes às intempéries do tempo, com dupla isolação, com isolamento de acordo com o nível de tensão utilizado e em conformidade com os demais requisitos da NBR 166212 é fundamental para evitar a degradação prematura do isolamento e problemas com correntes de fuga. Os cabos também devem ser instalados com o uso de eletrodutos e bandejas, evitando o contato direto com o solo ou com telhados.  

Componentes como stringbox e conectores CC ou CA podem ser fontes de correntes de fuga. Um conector mau encaixado ou danificado pode permitir que um cabo energizado entre em contato com uma massa metálica ou com pessoas. Uma stringbox instalada em local incompatível com o seu grau de proteção IP, pode resultar em fuga de corrente em ambientes úmidos ou com a entrada de água.  

 

EQUIPAMENTOS  

Alarmes de correntes de fuga podem ser acionados devido a configuração interna inadequada dos inversores. A maioria dos equipamentos modernos são configurados em fábrica de acordo com os padrões internacionais, porém, permitem ajustar localmente ou remotamente os limites de detecção. Além disso, podem existir falhas nos sensores, circuitos de detecção de corrente de fuga do equipamento ou componentes eletrônicos internos (e.g., capacitores ou filtro eletromagnético), gerando medições e acionamento da proteção de forma indevida.  

Módulos FV também podem apresentar falhas internas devido a erros de montagem, falha no controle de qualidade, danos durante o transporte ou instalação. Falhas no backsheet ou vidros trincados podem levar a energização dos frames e das estruturas metálicas, acionando o circuito de proteção do inversor.   

 

DETECÇÃO DE CORRENTE DE FUGA PELOS INVERSORES FV  

Como mencionado anteriormente, a proteção contra os efeitos de falhas de isolação e correntes de fuga é necessária para proteção das pessoas e dos equipamentos. Nos sistemas FV modernos o monitoramento e detecção de correntes de fuga é realizada pelo inversor. Dessa forma, existem normas internacionais e nacionais as quais estabelecem limites de magnitude para corrente de fuga e o tempo de interrupção desses circuitos.  

No Brasil, a NBR16690 traz as medidas de detecção, proteção e de alarmes que todos os inversores devem possuir. Esses requisitos são determinados de acordo com o tipo de isolação galvânica do inversor (com ou sem transformador de isolação) e a presença de aterramento funcional no sistema.  

A Figura 2 abaixo apresenta um resumo das medidas necessárias para detecção de corrente de fuga (corrente residual), de acordo com o tipo de sistema adotado.  

 

  

Figura 2: Requisitos para medição, ação e indicação de correntes de fuga para diferentes sistemas. Fonte: NBR 16690 

 

Majoritariamente, os inversores FV encontrados no mercado atual são do tipo não isolados e os sistemas FV não apresentam aterramento funcional. Com nisso, podemos tomar como base a primeira coluna da tabela anterior.  

Para o tipo de sistema adotado anteriormente, a medição da corrente de fuga é necessária sempre que o inversor estiver ligado a uma rede CA aterrada e com o dispositivo de seccionamento automático fechado. O sistema de medição deve monitorar em tempo real o total dos valores eficazes (RMS) das correntes de fuga CC e CA, em regime permanente e para variações bruscas.   

Ainda de acordo com a mesma norma, os valores limites de corrente de fuga não devem ser superiores a 300mA para inversores com potência menor ou igual a 30kVA e 10mA por kVA para inversores com potência maior que 30kVA. Caso esses valores sejam ultrapassados na prática, o sistema supervisório deve causar uma interrupção em até 0,3s e indicar uma falta.  

A NBR16690 também considera situações que podem levar a incêndios na instalação FV. Para isso é considerado um limite superior de 100mA para variações bruscas na corrente  de fuga e um tempo de desconexão da rede elétrica aterrada de até 0,5s.  

É observado que para esse tipo de sistema uma corrente de fuga elevada resulta na desconexão do sistema FV e em tempo inoperante. A reconexão apenas pode ser realizada quando os valores RMS de corrente de fuga retornarem aos limites aceitáveis.   

Ao mesmo tempo, um sistema de alarme é necessário e deve continuar em operação até que o sistema seja desligado ou corrigido. Essa função também é executada pelos inversores modernos, onde informações detalhadas como o início do alarme e até em qual string se encontra o problema são fornecidas na tela do equipamento ou através de plataformas de monitoramento com acesso remoto.  

 

 

PONTOS DE VERIFICAÇÃO NA INSTALAÇÃO E RESOLUÇÃO DE FALHAS  

 

Como descrito na seção anterior, uma falha por corrente de fuga em uma instalação FV pode ser resultante de fatores ambientais, condições da instalação, problemas internos de componentes como módulos e inversores ou uma combinação desses fatores.  

O primeiro passo é certificar-se que os fatores ambientais não estão provocando esse tipo de alarme. Devido aos cenários de aplicação e local de instalação, é fácil para o sistema ser afetado pela umidade local, especialmente em dias chuvosos, manhãs úmidas e durante o período noturno. 

Sistemas fotovoltaicos de grande capacidade são mais prováveis de encontrarem esse problema devido à grande área instalada e o número de componentes utilizados. Se o inversor emite constantemente esse tipo de alarme durante um determinado período do dia e o sistema é restaurado após alguns instantes, isso pode indicar que algum fator ambiental esteja interferindo na operação do sistema.  

A instalação elétrica deve ser completamente verificada no lado de corrente contínua e alternada. Deve-se procurar por condutores com isolamento desgastado ou rompidos (danos mecânicos no transporte ou instalação, roedores, pássaros etc), que estejam ou possam eventualmente entrar em contato com massas metálicas condutoras ou com o terra. A isolação de cabos deve ser de acordo com o nível de tensão da utilizado no sistema FV. Um nível de isolação menor que a tensão máxima do sistema resultará em eventual rompimento do material e riscos de arcos elétricos e corrente de fuga. Os cabos utilizados no lado CC devem seguir as recomendações da NBR 16612. 

Cabos que estejam instalados fora de eletrodutos e em contato direto com o solo ou com telhados devem ser verificados. Esses cabos podem gerar fugas de correntes após períodos chuvosos. Além disso, a proteção da stringbox contra a penetração de corpos sólidos e líquidos deve ser assegurada de acordo com o seu local de instalação. Uma stringbox mal vedada pode permitir a entrada de água e condensação de umidade, gerando curto-circuito e correntes de fugas. Os conectores utilizados no lado CC e CA devem ser verificados para garantir que não estejam soltos ou danificados.  

Ensaios bem conhecidos dos profissionais de elétrica como medição da tensão entre um pólo de uma string e o terra da instalação pode ser utilizado para identificar a origem do alarme. Outra solução é utilizar um Megômetro para medir a resistência de isolamento e isolar e substituir a fonte do erro. Esses ensaios juntos com a resistência mínima de isolamento podem ser consultados na NBR 16274 – Requisitos mínimos para documentação, ensaios de comissionamento, inspeção e avaliação de desempenho.  

Por fim, a equipotencialização e aterramento das estruturas é fundamental para garantir a segurança e o funcionamento correto da instalação. É importante verificar se componentes como módulos, estruturas de suporte, stringbox e inversor estão aterrados através de condutores de baixa impedância e com boa continuidade elétrica. Um bom aterramento vai garantir que qualquer corrente de fuga seja absorvida pelo terra e não pelas pessoas.  


 

RESUMO 

 

Correntes de fuga ocorrem quando há um desvio não intencional no caminho original percorrido pela corrente elétrica. Todo sistema, CC ou CA, apresenta um determinado nível de corrente de fuga devido a presença de materiais que não são perfeitamente isolantes elétricos. Em sistemas fotovoltaicos o nível de correntes de fuga é monitorado em tempo real pelos inversores mais modernos.  

Um sistema FV conectado à rede elétrica sem isolação galvânica e sem aterramento funcional deve se desconectar de forma automática da rede elétrica, a partir de uma variação brusca de corrente de fuga de 100 mA. A desconexão é exigida por normas, de forma a proteger as pessoas e os equipamentos presentes na instalação. Em todo caso, uma corrente de fuga pode tornar um sistema inoperante e refletir no seu retorno de investimento.  

Identificar a origem de correntes de fuga em instalações FV nem sempre é uma tarefa fácil. A origem dessas correntes pode ser por fatores ambientais, de instalação e também problemas internos e de fabricação dos equipamentos utilizados. Caso sejam identificados esse tipo de alarme deve-se adotar um procedimento criterioso para averiguar todos os prováveis pontos de falha na instalação, inclusive identificando as condições ambientes e o horário de ocorrência dessas falhas.  

Além de verificar as condições da instalação e dos equipamentos é essencial manter um bom sistema de equipotencialização e de aterramento. Isso reduzirá os riscos a que as pessoas estarão submetidas e evitará casos de incêndio e danos à propriedade.   

 
 

Referências  

2019. Leakage current. Sunpower UK. Disponível em : https://www.sunpower-uk.com/glossary/what-is-leakage-current/ [Acessado em 4 de Fevereiro de 2022]. 

 

        NR 10 - Segurança em instalações e serviços em eletricidade - Dezembro de 2004. 

        ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 5410 - Instalações elétricas de baixa tensão - Março de 2005. 

   Solis seminar 【episode 16】 leakage current failure. Solis PV Inverters-Ginlong Technologies. Disponível em: https://www.ginlong.com/global/documentation/38874.html [Acessado em February 4, 2022]. 

        ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 16690 - Instalações elétricas de arranjos fotovoltaicos – Requisitos de projeto - Outubro de 2019. 

      ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 16612 - Cabos de potência para sistemas fotovoltaicos, não halogenados, isolados, com cobertura, para tensão de até 1,8kV C.C entre condutores – Requisitos de desempenho - Agosto de 2017. 

       ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 16274 - Sistemas fotovoltaicos conectados à rede – Requisitos mínimos para documentação, ensaios de comissionamento, inspeção e avaliação de desempenho - Abril de 2014.

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