Sobrecarregamento - Relação CC/CA
26 janeiro, 2022 por
Juliana Silva


INTRODUÇÃO

No Brasil é comum que sistemas de energia solar fotovoltaica sejam projetados com potência total dos módulos maior que a potência nominal do inversor. Isso se deve às condições favoráveis para geração de energia solar encontradas no país, como altos níveis de irradiância, além da necessidade de se otimizar a geração de energia e reduzir o custo nivelado do sistema (LCOE).

Sistemas cuja potência total dos módulos é maior que a potência nominal do inversor são denominados sobredimensionados. Por outro, quando a potência total dos módulos é menor que a potência nominal do inversor, o sistema é denominado subdimensionado. É importante mencionar que mesmo com o uso de um sistema sobredimensionado a potência de saída é sempre limitada pela potência máxima do inversor. Apesar da limitação de geração, existem vantagens em utilizar sistemas sobredimensionados, as quais serão mostradas nas seções seguintes deste artigo.

Atualmente observa-se que muitos projetos fotovoltaicos vêm sendo dimensionados com relação CC/CA elevada. Inclusive a maioria dos projetos de grande porte ganhadores de leilões conseguem reduzir o LCOE através do uso de sobrecargas maiores e de sistemas com rastreador solar (trackers). A escolha adequada da sobrecarga do sistema vai resultar em otimização da geração e minimização de custos. Porém, ainda existem muitas dúvidas ou mitos dentro do setor fotovoltaico em relação a essa característica de projeto, tanto em relação aos seus benefícios ao sistema quanto a possíveis perdas e danos, principalmente, no inversor.

SOBREDIMENSIONAMENTO DE SISTEMAS FOTOVOLTAICOS

O aumento da relação CC-CA expõe os inversores a valores maiores de potência de entrada (CC) e, consequentemente, ao aumento das horas de carga total. No entanto, quando a potência no lado de corrente contínua se torna maior do que a potência de saída em corrente alternada, isso leva a uma potência de saída com limitação. Este efeito de limitação de potência (clipping – corte do inglês) nos inversores ocorre com maior probabilidade e durante mais tempo para altas relações CC-CA do que para um sistema com menor taxa CC-CA ((MOUNETOU, ALCANTARA, INCALZA... SABENE, 2014).


Uma solução que é muito utilizada na prática, para reduzir custos no sistema fotovoltaico, é sobredimensionar os arranjos fotovoltaicos, cuja potência nominal em corrente contínua é intencionalmente projetada para ser mais alta do que a potência do inversor (em corrente alternada). A figura 1 exemplifica esse processo, ou seja, a potência de entrada em CC é maior que a potência de saída em CA, como a limitação de potência CA ocorrerá no inversor, ele nunca entregará uma potência maior que a máxima permitida. Ainda assim, haverá perdas no sistema, e uma delas é pelo sobredimensionamento (SANGWONGWANICH, YANG, SERA, BLAABJERG, 2017).

Fazendo isso, o inversor fotovoltaico operará próximo à sua potência nominal durante um tempo maior, e mais energia poderá ser gerada durante o período de produção fora do pico.

Dependendo do valor do módulo fotovoltaico, sobredimensionar pode ser economicamente interessante, reduzindo o custo e aumentando ganhos de energia, tornando o sistema pagável (payback) mais rapidamente.


Figura 1 – Sistema Fotovoltaico

Fonte: (SANGWONGWANICH, YANG, SERA, BLAABJERG, 2017)


A figura 2 mostra um sistema sobredimensionado, com fator de 1,1 e fator de 1,4 em um dia com baixa irradiação solar. Mesmo o sistema estando sobredimensionado, tanto para fator 1,1 e fator 1,4, o inversor não alcança a potência máxima nominal, entretanto, com um fator maior, o sistema fotovoltaico alcança uma potência mais elevada. Isso será mostrado no estudo de caso da próxima seção.

Figura 2 – Curva do inversor fotovoltaico em um dia de baixa irradiação solar.

Fonte: (MOUNETOU, ALCANTARA, INCALZA... SABENE, 2014)



A figura 3 mostra o sistema com fatores de sobredimensionamento 1,1 e 1,4, porém, com um dia de boa irradiação solar, fazendo com que o inversor atinja facilmente a potência máxima nominal. Nesse caso, há um corte por limitação de potência, conhecido por clipping. O inversor limitará sua potência na máxima nominal, isto é, a área mostrada em pontilhado azul na figura 2 não é injetada na rede.

É importante dimensionar e projetar um sistema de ventilação adequado para o sistema que utiliza um fator de sobredimensionamento muito alto, pois o inversor operará com mais frequência em sua potência nominal e, consequentemente, sua proteção interna poderá forçar que o sistema desligue se as temperaturas críticas forem atingidas devido a um período de operação mais longo ((MOUNETOU, ALCANTARA, INCALZA... SABENE, 2014). Isso impactará em mais manutenções e perdas de energia.

       Alguns inversores já são dimensionados e fabricados para suportarem uma taxa alta de CC-CA, entretanto, todos os fatores de projeto como desvio azimutal, condições climáticas do local, tipo de módulo fotovoltaico, inversor e estrutura de fixação, devem ser considerados e analisados.


ESTUDO DE CASO

 

O sistema fotovoltaico foi instalado na cidade de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro. O sistema possui um inversor de 75 kW, com potência máxima de saída de 75 kVA. A quantidade de módulos instalados, em telhado, é de 280, da marca Canadian Solar, do tipo monocristalino, com potência de 365 Wp cada, totalizando uma potência em corrente contínua de 102,2 kWp. A orientação dos módulos fotovoltaicos se encontra em todos os desvios azimutais, ou seja, norte, sul, leste e oeste.

O sobrecarregamento do inversor, potência CC por potência CA é de aproximadamente 36%, ou seja, fator de 1,36. A figura 4 ilustra a instalação em telhado.

 

Figura 4 – Instalação de um sistema de 102,2 kWp em São Gonçalo. 
                   

ANÁLISE DA CURVA DO INVERSOR

A figura 5 ilustra a curva de potência do inversor em um dia ensolarado, no período primavera/verão, na data de 20 de dezembro de 2020. Percebe-se que a potência fica limitada em 75 kW e atinge o pico mais rapidamente, próximo das 09h30m. E que também, há o efeito de clipping.

 
Figura 5 – Curva do inversor em dia de primavera/verão

 A figura 6 ilustra a curva de potência do inversor em um dia ensolarado, no período outono/inverno, na data de 04 de maio de 2021. Percebe-se que o sistema, apesar de possuir um sobrecarregamento de 36%, não consegue atingir a potência máxima do inversor, ou seja, potência de 75 kW. Nesse dia, a potência alcançou 67 kW, ou seja, 89% da capacidade máxima do inversor.

 

Figura 6 – Curva do inversor em dia de outono/inverno

 

A figura 7 ilustra a curva de potência do inversor em um dia ensolarado, no período primavera/verão, na data de 20 de dezembro de 2020. Nessa mesma curva, existe uma comparação com uma curva com um fator de 1, ou seja, potência de pico em CC igual a potência de saída em CA. A área em azul escuro representa o ganho em energia que esse sistema consegue gerar. A área da região pontilhada, seria a energia gerada se o sistema conseguisse chegar em sua potência de pico (102,2 kWp), entretanto, como não consegue, devido a limitação do inversor em sua potência máxima CA de 75 kW, essa energia é perdida. E a área com azul mais claro é o sistema alcançando uma potência de 75 kW, porém com um tempo menor, quando comparado com o sobredimensionamento de 1,36.

 

Figura 7 – Curva do inversor comparando fatores 1 e 1,36

 

 COMPARAÇÃO DA ENERGIA GERADA COM SIMULADOR

 

Elaborou-se uma comparação de energia real gerada pelo sistema, obtida através do monitoramento, com uma simulação de energia gerada pelo programa PVSyst, com dois sistemas: um com sobredimensionamento de 1,1 e outro com fator de 1,36. A figura 8 mostra esses dados de geração, assim como o ganho de energia ao utilizar um sistema sobredimensionado com fator maior. O ganho calculado, mostrado na figura 8, foi a diferença entre o sistema real e a energia simulada com um fator menor (nesse caso de 1,1).

Percebe-se também que outubro de 2021 parece ter sido um mês atípico, pois não atingiu nem o valor simulado com um sobrecarregamento de 10% a mais.

 

Figura 8 – Comparação de energias: real e simulado

        A tabela 1 computa os dados de geração de energia real, simulada e com ganhos. Alguns meses tiverem dias sem geração, podendo indicar problema de dados na internet do cliente*, quando isso aconteceu, foi feito um cálculo aproximado. Todos os valores mostrados são em kWh. As duas últimas colunas mostram o ganho do sistema, primeiramente comparando o sistema já instalado com a simulação de 10% a mais de sobredimensionamento, e segundo, ambas as simulações, com fator de 1,36 e 1,10.


Tabela 1 – Comparação de energias reais com simuladas (em kWh). 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

       É perceptível que, utilizando um sobredimensionamento, existe um ganho de energia produzida pelo sistema fotovoltaico, como visto na análise desse artigo. É essencial que o projetista ou engenheiro que fará o projeto, obedeça aos parâmetros fornecidos pelo inversor, para que não haja danos ao sistema a curto e longo prazo.

       Apesar do sistema fotovoltaico estar 36% sobredimensionado, verificou-se que em dias de outono/inverno, o inversor não conseguiu atingir sua potência máxima nominal. É preciso entender se de fato, esse valor de 36% está cumprindo com as necessidades de abatimento de energia do local.

       Com a utilização dessa estratégia de instalar mais potência CC do que potência CA, além do ganho de energia, o custo do sistema acaba ficando economicamente melhor de adquirir e, muitas vezes, ele se paga mais rapidamente, já que no geral, precisaria apenas de mais módulos fotovoltaicos, excluindo assim, adição de inversor, transformador, quadros elétricos e cabos de corrente alternada.

       Um estudo feito por SANGWONGWANICH, Ariya; YANG, Yongheng; SERA, Dezso; BLAABJERG, Frede, mostrou que, o sobredimensionamento em local onde se tem uma irradiância alta constante durante todo o ano teve menos impacto na vida útil do inversor do que em local onde a irradiância varia durante o ano.

       Por fim, não se tem ainda um valor ideal de sobredimensionamento para os sistemas fotovoltaicos, visto que, vários fatores influenciam para seu projeto, tais como: irradiação do local, condições climáticas do local, desvio azimutal, inclinação dos painéis fotovoltaicos, tipo de estrutura (tracker ou fixa), superfície onde é instalado (telhado ou solo), modelo do módulo fotovoltaico, tipo da célula do módulo fotovoltaico e modelo do inversor. Por isso é importante sempre analisar todas essas condições e confrontar com simulações e estudos já realizados, para que não haja problemas futuramente e gastos desnecessários com operação e manutenção.

 

 REFERÊNCIAS

 

MOUNETOU, Romain; ALCANTARA, Ivan; INCALZA, Alessandro; JUSTINIANO, Juan; LOISEAU, Phillipe; PIGUET, Grégory; SABENE, Adriano. OVERSIZING ARRAY-TO-INVERTER (DC-AC) RATIO: WHAT ARE THE CRITERIA AND HOW TO DEFINE THE OPTIMUM? 29th EU PVSEC 2014, 22 - 26 September 2014, Amsterdam.

SANGWONGWANICH, Ariya; YANG, Yongheng; SERA, Dezso; BLAABJERG, Frede. IMPACTS OF PV ARRAY SIZING ON PV INVERTER LIFETIME AND RELIABILITY. n Proceedings of 2017 IEEE Energy Conversion Congress and Exposition (ECCE) (pp. 3830-3837). IEEE Press. Denmark.

GINLONG. SISTEMA DE MONITORAMENTO.
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